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A dignidade humana, os homossexuais e a lei
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A dignidade humana, os homossexuais e a lei
Nos povos antigos não existe o conceito de pessoa tal como o existente na atualidade. O homem, para os gregos (Platão, Aristóteles, Zenon, Plotino e outros), era considerado um ser natural, constituído de uma essência imutável que lhe foi dada pela natureza, da qual derivam não só as leis biológicas, mas também os preceitos morais.[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]
Na Europa renascentista houve um movimento denominado humanismo, o qual se refere genericamente aos valores e ideais relacionados ao homem, que defendia o ideal do homem como artífice de seu próprio destino, tanto por meio dos conhecimentos, como por meio da política, das técnicas e das artes.
Formando a base do pensamento contemporâneo, Immanuel Kant postula que não se deve procurar as normas do agir humano na experiência, já que isso significaria submeter o homem ao jugo de outro homem. O que caracteriza o ser humano, e o faz dotado de dignidade especial, é que ele nunca pode ser meio para os outros, mas fim em si mesmo. A moralidade significa a libertação do homem, e o constitui como ser livre. Dessa forma, o homem pertence, pela práxis, ao reino dos fins, ou seja, um ser de dignidade própria, de valor absoluto, em que tudo o mais tem significação relativa.
No século XX, que assistiu a duas grandes guerras mundiais, o que se viu foi uma coisificação do ser humano ao extremo, com a perseguição e extermínio de judeus, ciganos e homossexuais durante a II Guerra, massacre de populações civis em vários conflitos armados, fome, miséria e todas as suas conseqüências em países subdesenvolvidos, dentre outros inúmeros casos de abusos contra a dignidade humana.
A afirmação do valor da pessoa traz como conseqüência o reconhecimento de direitos específicos da condição humana. O ser humano é digno porque é, sem necessidade de qualquer tipo de justificativa. É algo inato, inerente à sua essência, independente de qualquer condição, seja física, social ou ideológica.
Biologicamente só existem dois sexos. Contudo, as orientações sexuais não se restringem apenas a esses dois modelos (masculino/feminino). A sexualidade humana se manifesta de uma ampla forma e sob os mais diversos estímulos. Dentro dessa variedade, encontram-se aqueles indivíduos de orientação homossexual, ou mais apropriadamente, homoafetivos. Pessoas que se relacionam com pessoas do mesmo sexo.
A ignorância acerca da natureza humana produz conseqüências funestas para aqueles considerados diferentes: o preconceito. Muito mais do que um conceito, é uma postura diante do diferente. Trata-se de pré-julgamento, sentimento ou resposta antecipado a coisas ou pessoas.
A menção ao preconceito implica tocar na questão dos estigmas, que são atributos sociais que um indivíduo, grupo ou povo carregam e cujo valor pode ser negativo ou pejorativo, determinando assim um destino de exclusão, negando a oportunidade de ser igual que todo ser humano possui.
Encarar o outro de forma preconceituosa é reconhecê-lo como essencialmente diferente, ou seja, não reconhecer que todas as pessoas são iguais. Ser igual, implica reconhecer o princípio da reciprocidade, sobre o qual se fundam todas as transações, os compromissos, os acordos, que estão na base de qualquer convivência pacífica.
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios constitucionais fundamentais, servindo de orientação para a organização do sistema jurídico brasileiro, confirmando o ser humano como elemento essencial à própria existência do Estado, independente de qualquer condição ou orientação, incluindo ai raça, religião, sexualidade, etc.
Seguindo essa tendência, numa decisão surpreendente a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) emitiu norma publicada no Diário da Justiça n. 2210, de 08/06/10 (p. 2-3) determinando o procedimento para a lavratura de Escritura Pública de Declaração de Convivência de União Homoafetiva.
Não se trata de casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas de declaração que visa reconhecer a união afetiva, como entidade familiar, surtindo efeitos administrativos de interesse comum dos conviventes perante a Previdência Social, Entidades Públicas e Privadas, Companhias de Seguro, Instituições Financeiras e Creditícias e outras similares (art. 3º) e regulamentando os interesses patrimoniais, assegurando os bens havidos antes da união e os adquiridos na constância da convivência, portanto comuns, susceptíveis de comunicação e divisão (art. 11), seja pelo fim da união, seja por morte de algum dos conviventes.
Essa decisão traça uma linha divisória entre o exercício da cidadania e a exclusão a que os homossexuais estavam sujeitados. Apesar da Constituição proclamar o bem-estar e a igualdade de todos sem qualquer distinção, não é nenhum exagero dizer que ser homossexual ainda é uma questão bem mais aflitiva que ser negro, deficiente físico ou mulher, grupos que já conquistaram direitos e reconhecimento.
Hoje, apesar de todo avanço tecnológico, ainda é notório o preconceito em torno da sexualidade, principalmente da homossexualidade, fazendo-se necessário um esforço maior para compreensão de suas idiossincrasias. Por exemplo, ainda é bastante comum a confusão entre orientação e opção, e não são poucos os discursos que se utilizam do termo opção sexual ao se referir à sexualidade de alguém.
Orientação é diferente de opção. Na área da sexualidade, fala-se em orientação, já que o indivíduo é dotado de uma tendência inata. Não se trata de opção, e este termo aduz a uma escolha e as escolhas dependem da vontade, do querer humano.
O indivíduo homossexual não fez uma escolha. Muitos lutaram e lutam ainda contra esta tendência, por medo da reprovação social; alguns até se casam, constituindo família, gerando filhos, mentindo para si mesmos, e para seus entes mais próximos, sem nunca alcançaram a tranqüilidade e a realização plenas.
Essa decisão legal deve ser festejada por ser uma conquista da cidadania, até agora negada a uma parcela significativa da população. É o início de uma nova era!
Re: A dignidade humana, os homossexuais e a lei
Excelente texto, e essa frase sintetiza muito do que ocorre em nossa sociedade, e não apenas em relação às diferenças sexuais:
A ignorância acerca da natureza humana produz conseqüências funestas
para aqueles considerados diferentes: o preconceito. Muito mais do que
um conceito, é uma postura diante do diferente. Trata-se de
pré-julgamento, sentimento ou resposta antecipado a coisas ou pessoas.
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